À sombra da floresta, brota um legado: a erva-mate de Eurico

Em Ponte Serrada, no Oeste catarinense, o verde não é apenas cenário — é também sustento, herança e escolha de vida. À primeira vista, o que se vê é uma floresta nativa robusta, pontuada por araucárias, canelas e imbuias. Mas quem olha com atenção nota outra presença: entre as árvores, folhas ovais e brilhantes de erva-mate apontam para uma produção que respeita o ritmo da natureza.

Há três gerações, a família de Eurico Rocha cultiva a planta símbolo do chimarrão em harmonia com a mata. Hoje, ele cuida de uma agrofloresta de 12 hectares onde a tradição encontrou a sustentabilidade. Sem agrotóxicos e com manejo simples — esterco suíno para adubação e correção do solo com base em análises técnicas — o agricultor consegue colher até 15 toneladas por hectare. “Mas o que mais me orgulha é olhar para a mata e ver que ela continua inteira. Esse verde é meu maior retorno”, diz.

Uma parte do terreno permanece intocada. Lá, Eurico mantém um “banco de sementes” com plantas nativas de erva-mate. “Nunca tive problema com pragas ou doenças. Acredito que preservar é a melhor forma de proteger”, afirma. Além da erva-mate, ele também cria abelhas e planeja transformar parte da propriedade em reserva permanente.

Essa forma de cultivo, em sistemas agroflorestais, é responsável por cerca de um terço da produção estadual de erva-mate. Santa Catarina tem hoje mais de 16 mil hectares dedicados à planta, o que representa 20% da produção nacional. Em 2023, o estado colheu 130 mil toneladas, movimentando R$ 176 milhões e garantindo renda a milhares de famílias.

Sabor com identidade

O maior polo de produção está no Planalto Norte, onde a cultura da erva-mate é um patrimônio. Lá, em áreas chamadas de caívas, a planta cresce à sombra de árvores nativas e sem uso de produtos químicos. O resultado é uma erva de sabor mais doce, folhas mais verdes e alta concentração de cafeína. Essas características renderam à região, em 2022, o selo de Denominação de Origem (DO) concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), reconhecendo a singularidade do produto local.

Tradição aliada à ciência

Muito desse avanço vem do trabalho de décadas da Epagri. Desde os anos 1980, a empresa pública investe em pesquisa, desenvolvimento de cultivares, técnicas de manejo e formação de produtores. Foi em seus centros de Canoinhas e Chapecó que nasceu o primeiro pacote tecnológico da erva-mate brasileira. E vem mais por aí: em 2026, está previsto o lançamento de uma nova variedade adaptada ao sol pleno e com sabor especial, em parceria com a Embrapa.

Segundo o pesquisador Paulo Floss, há uma redescoberta do valor do sombreamento. “A colheita leva mais tempo, mas a qualidade compensa. A indústria já prefere a erva sombreada”, afirma. Para equilibrar produção e preservação, a recomendação é o plantio de até 100 araucárias por hectare, garantindo até 30% de sombra no ambiente.

Formação que gera transformação

Em 2024, a Epagri atendeu quase mil agricultores com foco em erva-mate e mais de 400 sobre agrofloresta. Em municípios como Vargeão, Passos Maia e a própria Ponte Serrada, cursos, seminários e visitas técnicas têm ampliado horizontes. “A gente mostra que é possível sair da baixa produtividade com algumas mudanças simples: poda certa, adubação adequada e manejo consciente”, conta a extensionista Leila Tirelli da Motta.

Eurico é um exemplo vivo dessa transformação. Aos 56 anos e com mais de 20 cursos da Epagri no currículo, ele já não é só agricultor — é também consultor ambiental. “Aprendi a olhar além da produção. Os cursos abriram minha mente. Me tiraram da propriedade e me levaram a outros lugares. Hoje, tenho certeza: o futuro é agroflorestal”, conclui.

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